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PROPOSTA A 'Nudez Artística Interativa' no MAM é arte ou crime?

Pessoal,
fiz a proposta visando à UNESP e todas as próximas provas criadas por ela. Mas servirá também para a UNIFESP.
A FUVEST não fica descartada deste conteúdo. Quem fez a primeira fase dela viu que a fundação pegou pesado com longos textos. E quem pode afirmar que o tema dela não versará sobre a Arte? Aliás, você sabe o que seja Arte? Acompanhe o blog que vou colocar textos de Interpretação que tratam de Arte.
Sei que o caso do MAM é recente, mas o tema é importante, vale ler tudo. Pois o que vivemos caberá nas discussões ferrenhas em um País que hoje discutem os limites da liberdade.
Meus alunos deverão produzir o texto e mandar pela internet. Os que não forem  alunos poderão ler, refletir e posicionar-se.
Os textos motivadores são muitos. Leia o que puder.

                                                     PROPOSTA

Desde a última quinta-feira (28), as redes sociais foram tomadas pela polêmica em torno da performance no Museu de Arte Moderna no qual o artista Wagner Schwartz ficava nu e se deixava manipular pelo público, tendo sido tocado por uma criança que assistia a apresentação.
Mais de dois milhões de links sobre a performance, acusada de estimular a pedofilia, foram compartilhados. O tema foi, de longe, o mais discutido no fim de semana nas redes sociais.
Mas a controvérsia não é sobre o que parece ser. O debate parece ser sobre proteção à infância ou sobre a irresponsabilidade dos artistas, mas, quando analisado de perto, se vê que é, na verdade, apenas uma estratégia dissimulada da direita para manipular o público e fazer avançar a agenda liberal de privatizações e redução dos serviços públicos. http://www1.folha.uol.com.br/colunas/pablo-ortellado/2017/10/1923624-polemica-no-mam-nao-e-sobre-arte-e-nao-e-sobre-pedofilia.shtml

PROPOSTA A 'Nudez Artística Interativa' no MAM é arte ou crime?


TEXTO 1
happening (traduzido do inglês, "acontecimento") é uma forma de expressão das artes visuais que, de certa maneira, apresenta características das artes cênicas. Neste tipo de obra, quase sempre planejada, incorpora-se algum elemento de espontaneidade ou improvisação, que nunca se repete da mesma maneira a cada nova apresentação.
Apesar de ser definida por alguns historiadores como um sinônimo de performance, o happening é diferente porque, além do aspecto de imprevisibilidade, geralmente envolve a participação direta ou indireta do público espectador. Para o compositor John Cage, os happenings eram "eventos teatrais espontâneos e sem trama".
O termo happening, como categoria artística, foi utilizado pela primeira vez pelo artista Allan Kaprow, em 1959. Como evento artístico, acontecia em ambientes diversos, geralmente fora de museus e galerias, nunca preparados previamente para esse fim.
Na pop art, artistas como Kaprow e Jim Dine, programavam happennings com o intuito de "tirar a arte das telas e trazê-la para a vida". Robert Rauschenberg, em Spring Training (traduzido do inglês, "Treino de Primavera"), alugou trinta tartarugas para soltá-las sobre um palco escuro, com lanternas presas nos cascos. Enquanto as tartarugas emitiam luzes em direções aleatórias, o artista perambulava entre elas vestindo calças de jóquei. No final, sobre pernas-de-pau, Rauschenberg jogou água em um balde de gelo seco preso a sua cintura, levantando nuvens de vapor ao seu redor. Ao terminar o happening, o artista afirmou: "As tartarugas foram verdadeiras artistas, não foi?" https://pt.wikipedia.org/wiki/Happening

Texto 2

Ato 3: Na abertura da 35ª edição do Panorama da Arte Brasileira, no último dia 26 de setembro, o artista Wagner Schwarz mostrou La Bête, um trabalho que remete aos famosos Bichos, da Lygia Clark. Sim, a mesma Lygia que abriu caminho para discutir uma dimensão ampliada do corpo na arte 50 anos atrás. Nessa obra, Schwarz aparece nu e reproduz em posturas físicas as posições que molda no objeto articulável trazido em cena, transformando suas próprias articulações em matéria-prima a serviço da forma. Naquele dia, curiosa, uma criança que assistia à performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo tocou os dedos das mãos e a canela do artista. Foi o suficiente para motivar uma reação inflamada e violenta, primeiro nas redes sociais, depois na frente da própria instituição, por parte de um grupo que acusou a situação de pedofilia.
Apesar do claro interesse político por trás do ataque, o movimento só tomou essa proporção porque escolheu um assunto que de fato incomoda muita gente. Descobrimos, de um jeito perigoso, que ainda é difícil dissociar a nudez do erotismo – e como a exploração de novos caminhos estéticos na arte através do corpo ainda enfrenta resistências. Diante de palavras de ordem taxativas, a classe artística brasileira viu-se de repente obrigada a reforçar a importância de valores democráticos inegociáveis, como a liberdade de expressão.
A arte costuma incomodar mesmo. Justamente por operar em um território livre em seu significado mais puro, os artistas têm a coragem de mexer com os tabus e expor aquilo que a sociedade normalmente esconde embaixo de camadas de hipocrisia. https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/interacao-de-crianca-com-artista-nu-em-museu-de-sp-gera-polemica.ghtml

Texto 3
“O tema é delicado, porque toca um dos medos atuais da sociedade, que é o abuso, a erotização infantil, a pedofilia”, analisa Daniel Martins de Barros, psiquiatra do Hospital das Clínicas e blogueiro do Estado. “Numa cena em que possa haver o risco disso, as pessoas já reagem com uma preocupação compreensível”, acrescenta.
De acordo com Barros, no caso específico do MAM, a obra de arte não contém em si erotismo, mas, por outro lado, não é esperado que uma criança esteja em um recinto com um homem nu. “A criança nem sempre tem a maturidade do adulto para diferenciar uma obra de arte de um corpo”, pondera o especialista. “Os pais é que têm que saber junto com a criança o que ela pode e o que não pode ver”, completa. 
Generalizando, o psiquiatra alerta que, por mais que a prerrogativa seja dos pais, caso a sociedade considere a decisão inapropriada, “quando uma situação é prejudicial para uma criança, se o pai a expõe àquela situação, deve ser responsabilizado”. No entanto, nesse caso, não há como cravar o que é adequado. “Como psiquiatra, não conheço evidências científicas que dizem que uma criança ver um sujeito nesse contexto vai deixar ela mais erotizada”, explica. Barros diz, ainda, que isso vale também para novelas, filmes e outras mídias. “Existem cenas sem nudez que podem ser mais eróticas para uma criança do que um homem pelado mexendo em um origami”, afirma ele.
Na ausência de embasamento científico para afirmar categoricamente se a performance no MAM seria ou não prejudicial para a criança, o especialista conclui que “por via das dúvidas, pessoalmente eu sugeriria não arriscar, para que a criança não fosse exposta”.
Para Barros, porém, não há base para dizer que houve pedofilia, como muitas das denúncias afirmam. “Pedofilia é o desejo do adulto pela criança. Do ponto de vista jurídico, é o abuso; do ponto de vista médico, independe de haver abuso ou não. Isso não estava posto naquela situação”, conclui o psiquiatra. http://cultura.estadao.com.br/noticias/artes,psiquiatra-analisa-a-polemica-da-performance-no-mam,70002021612

Texto 4
Para a psicopedagoga Luciana Brites, a arte estimula a criatividade, as questões do desenvolvimento das percepções auditivas e visuais. “É importante a criança ser exposta, dentro de seu desenvolvimento, a produções artísticas, sejam elas musicais, pinturas, esculturas. E elas mesmas podem fazer essa arte quando desenham, brincam de massinha”, afirma Luciana, uma das fundadoras do Instituto NeuroSaber. “Os benefícios são muitos, passam pelo campo da criatividade, consciência corporal, aquisição de conhecimento a respeito de uma cultura”, reforça a psicóloga Carol Marques, especialista em Neuropsicologia e Desenvolvimento Infantil.
Isso posto, vem a grande questão: existe um limite para essa relação entre criança e arte? Na opinião de Luciana Brites, depende muito do sistema de valores e crenças da própria família, ou da cultura em que essa criança está inserida e do nível de maturidade. “Você pode apresentar uma obra de arte e ser o mediador daquilo, para aquela criança, porque, muitas vezes, a criança não vai entender – assim como tudo na vida, não é só a arte. Nós, enquanto adultos, somos corresponsáveis, e é muito importante o nosso papel de mediação com tudo o que a criança vai ver e ser exposta”, completa a psicopedagoga.
Lara Orlow prefere não usar a expressão “limite”, mas “adequação à fase de desenvolvimento da criança”. “A arte, enquanto expressão da sociedade em que vivemos, e servindo como ferramenta de contextualização ao mundo que cerca a criança, deve, sim, servir também como ferramente para levar a criança à reflexão. Mas essa reflexão será absolutamente inútil se não estiver adequada ao universo da criança, ou seja, respeitando as etapas de desenvolvimento”, completa ela
A psicopedagoga Silvana Capanema, especialista em Psicologia do Desenvolvimento Infantil, fala também da importância de se “respeitar as singularidades de cada faixa etária e o nível de maturidade”. “A aprendizagem ocorre somente quando o contexto apresenta significado para a criança”, diz a profissional, do Instituto de Psicologia Espaço Vida.
De acordo com a psicóloga Marilene Kehdi, toda arte tem a sua história e a sua interpretação, e cada pessoa adulta percebe a arte e o seu contexto à sua maneira e de forma distinta. E, referindo-se ao nu artístico, ela afirma que uma criança nunca deve ser exposta a esse tipo de arte. “Além de vários outros fatores prejudiciais, ela não compreende que foi autorizada a tocar no corpo de um homem nu em um determinado contexto como neste caso da exposição de arte e que não poderá fazê-lo em outra situação. Isso causa muita confusão no entendimento dela. Crianças precisam brincar, passear e precisam de orientação e limites. E, acima de tudo, serem preservadas e protegidas daquilo que não faz parte do seu mundo de criança e ponto”, diz Marilene, que também é escritora e fundadora do portal Psicodicas.
E o que as outras especialistas acham sobre isso? É necessário que a criança tenha contato com esse tipo de experiência artística como a vista na performance? “De forma generalizada, sem análise sobre como essa criança lida com esse assunto, toda criança tem direito ao conhecimento a partir do momento em que se estabelece a dúvida. Induzir a algo antes do tempo é um grande equívoco que pode ativar uma precocidade no seu estilo de vida. Por outro lado, cabe ainda ressaltar que os pais são os responsáveis pela educação dos seus filhos em todos os aspectos, inclusive o sexual. Manter a criança alheia às diversas informações induz o menor à permissividade por ignorância”, responde a psicopedagoga Silvana Capanema.
“Isso vai depender do contexto cultural em que essa criança vive, de sua etapa de desenvolvimento e das ferramentas que ela terá para absorver e entender a experiência artística”, opina a psicóloga Carol Marques.
“Vai depender muito de como a mãe trabalhou aquele tipo de conceito dentro daquela situação, mas acho que sempre que você vai expor uma criança a qualquer tipo de obra artística ou a algum tipo de aprendizagem, primeiro a gente tem de pensar se ela tem maturidade para aquilo, e segundo: o que aquilo vai agregar para ela? Será que, de repente, ela brincar de alguma outra coisa ou trabalhar as partes do corpo de uma forma diferente não agregaria mais conhecimento e não seria mais adequado no sentido de que ela iria aprender mais do que exposta a um tipo de arte dessa forma? A gente tem sempre que ponderar muito e tomar muito cuidado em relação a isso”, afirma a psicopedagoga Luciana Brites.
Responsabilidade dos pais. Nas discussões em redes sociais, houve quem comentasse que crianças podem, de repente, se deparar com pinturas e esculturas representando nus em museus, e que isso não é motivo de reclamação. “Existe uma diferença latente e importante. O nu humano em questão se refere a um ser vivo. As estátuas se referem a uma reprodução inanimada. Além disso, é absolutamente proibido tocar obras de arte, seja por crianças ou adultos, a não ser aquelas que são interativas, o que não é o caso das estátuas de mármore ou bronze que reproduzem o nu”, diz Lara Orlow.
“Aquilo é uma representação de um nu, e não especificamente um nu, aquilo é como se fosse um signo, que dá um significado, e tem um por que ali por trás, uma questão de uso de material, você tem um sentido em cima daquilo, e não uma nudez simplesmente exposta”, compara Luciana Brites.
A mãe da menina foi atacada nas redes e querem que ela seja responsabilizada. Qual o papel dos pais ou responsáveis nessas horas? Para Carol Marques, é saber junto dos seus filhos o que eles podem ou não ver ou acessar. “Entretanto, quando a sociedade julga que a escolha da família coloca a criança em situação de risco, eles são responsabilizados”, diz. “A meu ver não tem como afirmar que a exposição dessa criança a essa performance tenha algum impacto negativo no seu desenvolvimento.”
Segundo Silvana Capanema, “não existem parâmetros para tal julgamento”. “Não fazemos parte do núcleo familiar para sabermos sobre a educação dada a essa criança. Percebe-se no vídeo uma sugestão de aproximação através do toque, mas não podemos afirmar a intenção”, afirma. “Enfim, são muitas polêmicas causadas sobre suposições. O que realmente sabemos é que a mãe estava ciente do que encontraria na exposição. Quando tivermos a consciência cultural que as mostras artísticas não trazem consigo o intento de erotização, com certeza dosaremos melhor o grau do nosso moralismo. http://emais.estadao.com.br/blogs/familia-plural/polemica-do-mam-crianca-deve-ter-acesso-a-todo-tipo-de-arte/


TEXTO 5
Não se engane: esta é uma batalha pelo sentido, contra as pretensões do preto no branco. La Bête, performance do coreógrafo Wagner Schwartz, tornou-se atualmente o epicentro de uma guerra de narrativas. Quem a defende tenta canhestramente preservar a liberdade e a pluralidade de criação. Quem a ataca, faz uso de espantalhos sendo construídos há décadas e mobiliza problemáticas reais — a pedofilia, as direções de uma educação infantil que ajudem a evitar os abusos — para, muito aquém de concretamente combater o crime de que seriam os antagonistas verdadeiros, demonizar artistas e intelectuais. Com efeito, o que se ambiciona é demonizar todo ato de pensar e criar que multiplique os pontos de vista sobre o mundo e a vida, que delineiem as visibilidades da escuridão, as gradações de cinza, a multidão de cores dissimuladas na brancura.
“Relativismo!”, esbraveja o internauta bem treinado frente a este primeiro parágrafo (se chegar a lê-lo). “Uma performance em que uma criança interage com um homem nu só pode ser uma coisa: pedofilia!”, continua ele, preto no branco, dois mais dois igual a quatro. Ainda acho, no entanto, que podemos conversar para além disso. Concedo dois pontos: um, é preciso avançar nas políticas públicas contra o abuso sexual (compilei matérias que exibem o contexto do problema no Brasil e trazem propostas de aperfeiçoamento); dois, é razoável discutir se é recomendável aos pequenos assistir a uma obra como a de Schwartz. Esses são os momentos de verdade da polêmica, e quero tratar do que resta depois de os termos reconhecido como assuntos distintos. O trabalho artístico em si, qual é a sua potência, o que só ele produz, o que pode nos dizer?
Perceba: o primeiro passo é sempre neutralizar La Bête, aprisioná-la, negando sua produtividade, em uma de suas execuções. Esta não é “uma performance em que uma criança interage com um homem nu”. Na obra, o artista se disponibiliza para manifestação do público, que pode modificar sua posição, atuar sobre ele como se fosse um brinquedo — a ideia se inspira nos Bichos de Lygia Clark, esculturas que podem ser dispostas em várias formações. Que tenham participado algumas crianças nas vezes em que o trabalho aconteceu no Instituto Goethe e no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo é meramente circunstancial (e, sendo assim, reforço: o acesso dos pequenos à apresentação pode ser revisto segundo perspectivas institucionais e educacionais, sem que se censure a exibição em si). É o conceito da obra o que temos de aprofundar.
Para aprofundá-lo, não se demanda conhecimento de história da arte. É, aliás, um erro defender a obra em pauta ou, no mesmo sentido, a exposição Queermuseucom esnobismo intelectual. Parte da tentativa de destruir o sentido consiste em anular as obras em prol de discursos de autoridade, aos quais se têm acesso ou os quais se tenta desvalorizar como mistificação. O saber potencializa a descoberta de significados, mas é principalmente por um gênero de maiêutica, uma investigação de si mesmo, que se desvendam as criações artísticas. A alguns trabalhos essa ideia pode se aplicar menos, é verdade; mas, quanto a La Bête, creio que ela funciona bem. Apenas tentando entender os elementos que ela põe em intercâmbio — mesmo, como eu, só tendo vista parcial deles, a partir dos vídeos divulgados na polêmica — já conseguimos esclarecer a sua criatividade.
O Que Pode um Corpo?
São dois os componentes principais: corpo e interatividade com o corpo. Considere um, depois o outro. O corpo é um signo e um material poderosos. Nos pseudodebates em que estamos imersos, a nudez do corpo é muito simploriamente reduzida a uma intenção de choque, mas todos podem ver que os valores, a inserção social, os impactos culturais mudam se se trata da pele nua das fotos artísticas, dos filmes pornôs, das praias de nudismo, das esculturas renascentistas. Tudo se passa como se fossem outros corpos, embora tão carne e tão osso quanto sempre, na substituição dessas situações. A arte, notadamente a performance, se alimenta dessa pluralidade de concepções sobre o físico humano. Em La Bête, o que se dá é o corpo assimilado ao brinquedo, o corpo lúdico.
O pseudodebate foge dessa caracterização: o corpo nu é só intenção de choque porque o corpo nu é só sexual. Ou estamos vestidos ou somos predadores/objetos sexuais. Essa mesma visão se pode encontrar nos casos de mulheres impedidas de amamentar em público: o seio exposto não poderia, para alguns, ser outra coisa senão carne sexualizada e obscena. No limite, essa mesma visão está na convicção de que “prostitutas não podem ser estupradas”, ou seja, não podem ser interpretadas de outra forma, são só disponibilidade erótica. O pseudodebate apela à defesa das crianças para dispor de uma ideia de pureza que não pode ser contrariada, mas é claro como se coloca em uma estratégia mais ampla de incômodo e vontade de controle dos corpos.
Pois bem, esse corpo lúdico, o que ele provoca? Em torno dele se instaura a curiosidade, a intenção de descobrir o que é possível, a diversão de participar, a gratuidade do jogo. Eu teria de ter visto por mim mesmo para aferir com certeza, mas os registros da performance mostram como se dava em um momento alegre. Até no vídeo da menina que toca no artista: ela encosta nos dedos da sua mão e já recua; não vemos sua expressão, mas o riso da mãe mostra que se divertem; na foto em que o artista nu está de mão dada com quatro crianças, elas também riem. Sim, novamente, temos de prestar atenção ao que se precisa proteger no desenvolvimento das crianças. Mas, mesmo que não fosse o caso permitir que assistissem à La Bête, não se pode negar como tudo o que se vê nas imagens demonizadas é desprovido de sexualidade: pretende-se e é vivido como brincadeira.
É fundamental reforçar que essa interatividade com o corpo é aberta. Cada público levaria a uma circunstância diferente. La Bête estabelece uma certa disposição de coisas que traz possibilidades de vivência; as experiências que pode produzir não são dadas de antemão. Por isso é absurdo que se diga que a obra é pedófila ou mesmo que pretende transmitir qualquer ideia muito organizada — os ataques só existem sob condição de ignorar essa sua instabilidade essencial. Não é cabível nem mesmo essa opinião mais bem-intencionada, que atribui à performance o objetivo de criticar a nossa visão do corpo e nos direcionar a alguma espécie de liberação. Isto impõe ao trabalho um foco de panfleto, uma eficiência de mecanismo. Mas, sem revoluções, também brincamos com os cabelos de quem gostamos: o lúdico do corpo também pode ser cotidiano, simples. Com o que se conecta, em você, os elementos trabalhados na obra de Schwartz?
Ligar-se ao Outro, Fazer Uso do Outro
Podemos também pensar La Bête no confronto com obras que lhe sejam próximas. Para concluir, vou realizar esse percurso em duas vias: um diálogo com a herança de Lygia Clark, cujos Bichos servem de referência para Schwartz; e uma discussão sobre a problemática eminentemente ética de termos um corpo à nossa disposição, o que em outros trabalhos é tratado muito diferentemente.
Participei, para as fotos de um catálogo, de duas proposições de Lygia. Em Baba Antropofágica, estive sem camisa, enquanto os outros participantes, com linhas de costura dentro da boca, faziam o fio cair lento e se enrodilhar sobre mim. Em Canibalismo, no centro estava uma garota vestida com um macacão em que frutas se amontoavam numa abertura da barriga, comemo-la, portanto. Nas duas performances, é a conexão entre as pessoas o dado mais valioso. Vivemos, sob mediação de símbolos fantásticos (somos antropófagos e canibais; somos presas), algo juntos. Devoramos, somos devorados, mas o que realmente sobressai é a ligação abstrata entre aqueles que se deixam ser objeto e aqueles para quem ser sujeito é focar sua atenção e cumprir uma ação sobre alguém. Há mais nessas obras (por exemplo, a diluição entre o dentro e fora do corpo nesses dois casos que citei), mas podemos nos focar nessa criação de relacionamento como algo crucial.
Apesar de La Bête me parecer original na medida em que transfere o funcionamento dos Bichos ao próprio artista, penso que a simples entrega de um corpo-brinquedo à fantasia do público perde um pouco da potência relacional visada por Lygia. A conexão é muito menor: com garantia de que nada lhe ocorrerá, o espectador pode manipular a seu bel prazer. Não está implicado na cena; muito simplesmente, só assistem a ela. Posso estar enganado — repito, minha análise precisaria de um contato direto —, porém, até um segundo momento, me soa como uma obra menor.
O que reforça essa conclusão é o viés ético a que me referi. A história da performance é cheia de episódios em que o performer se dispõe à plateia: Yoko Ono (que convidou os presentes a cortar pedaços da sua roupa) e Marina Abramovic (que deixou em uma mesa 72 objetos, armas inclusas, e estabeleceu que o público podia fazer o que quisesse com ela) fizeram obras com esse aspecto. Mais recentemente, Jaqueline Vasconcellos, em Não Alimente os Animais, restrita em uma caixa de areia, cumpria ações sempre que um espectador tocava uma buzina, por um período indefinido de tempo, com desgaste cada vez maior. Vulnerabilidade, risco, sujeição, de um lado; indiferença, coletividade mais ou menos irresponsável, aptidão à tortura, do outro — tais elementos aparecem em jogo nos trabalhos que citei em maior ou menor grau, e isso ocorre porque são possibilidades indissociáveis do poder e das situações em que um indivíduo tem um outro a seu dispor.
La Bête passa ao largo dessa visão crítica; é, nesse sentido, utópica. Mas, se isso pode diminuir o alcance do trabalho, também pode aumentá-lo: precisamos de utopias. Ademais, forcei um pouco a mão no parágrafo anterior. Há generosidade e aceitação de dádiva na obra de Yoko também; há certas meninas, em uma execução da performance da Jaqueline, que impedem a submissão, não deixam que se continue a manipular a artista. Seria esse o horizonte, La Bête aspiraria a um espaço sem risco? Em que estaríamos à salvo, como que entre amigos? Talvez a guerra pelo sentido passe por aí também. O artista, os museus e tantos outros dizendo que há espaços de segurança. Outros tantos dizendo que não há segurança em lugar algum. Ou ainda: uns em luta por um estado policial cada vez mais feroz. Outros com a esperança de uma emancipação, de uma outra vida possível.


DUANNE RIBEIRO é jornalista, mestre em Ciência da Informação, especialista em Gestão Cultural e bacharel em Filosofia. Mais conteúdo em duanneribeiro.info. https://revistacult.uol.com.br/home/ensaio-polemica-la-bete-mam/

TEXTO 6
FMuitos defendem a proposta do Museu de Arte Moderna (MAM) e lecionam que não havia o propósito de erotização, mas uma performance artística concebida para estimular o público a interagir com o artista (nu). Tratava-se, dizem, de genuína manifestação de liberdade artística e de expressão, que, embora possa chocar, revela tão somente a mudança nos paradigmas morais que estamos vivenciando.
Com a devida vênia, discordamos, havendo indícios de crime, mais precisamente do art. 240 do ECA (produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente).
Não é possível, com efeito, cingir a incidência desse tipo penal, e seu escopo de proteção, a considerações prévias que, levadas às últimas consequências, podem servir de justificativa para qualquer conduta aparentemente criminosa cometida sob o pretexto da expressão artística.
No mais, é um despropósito justificar aquela cena com a garantia da liberdade de expressão e de manifestação artística. Ora, há limites a serem observados no exercício de qualquer liberdade, limitações decorrentes não só do próprio sistema constitucional de direitos e garantias fundamentais, mas também – e principalmente – do princípio universal e inarredável de que o exercício absoluto da liberdade é promotor do caos.Se até mesmo a liberdade de expressão por palavras sofre as limitações impostas na esfera dos crimes contra a honra, o que justificaria a garantia absoluta, inatacável de uma performance artística na qual se verifica uma possível infração penal contra criança?
A criança e o adolescente, não custa recordar, gozam de integral proteção, como estabelece a Lei nº 8.069/90, mais precisamente no seu artigo inaugural. Essa opção do legislador fundou-se na interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais que elevaram ao nível máximo de validade e eficácia as normas referentes às crianças e aos adolescentes, e que, por sua vez, foram inspirados nas normas internacionais de direitos humanos, tais como a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos da Criança e a Convenção sobre os Direitos da Criança. Assim, pode-se apontar que o reconhecimento jurídico dos direitos da criança e do adolescente se deu no Brasil já em um novo patamar, mais ligado aos processos emancipatórios e constituído por uma concepção de positivação dos direitos humanos, tornando-os fundamentais.
caput do art. 227 da CF afirma ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Em verdade, o art. 227 representa o metaprincípio da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, tendo como destinatários da norma a família, a sociedade e o Estado.
Como admitir, diante de um sistema de proteção tão contundente, que alguém submeta impunemente uma criança a situação tão grotesca? O Estado – no caso, por meio dos órgãos justiça criminal – tem o dever de exercer a função legal e constitucional que lhe cabe nessa divisão de tarefas tão importante para a preservação da infância e para o saudável desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Reconhecemos que o ponto nevrálgico desta questão se revela num verdadeiro “nó górdio” para o Direito, pois caberá à sociedade se manifestar sobre o rumo que o Brasil adotará sobre o tema. De um lado temos historicamente a importante luta pelo direito à manifestação livre de ideias (do qual, como cidadãos livres, não abrimos mão). De outro, é histórica a natureza da sociedade de preservar valores e possuir elementos que buscam manter a ordem (eis aqui a presença do Direito) bem como os inconformados, que buscam transformá-la, quebrar paradigmas.
Posto isso, eis os pontos que deixamos para a reflexão de todos: a liberdade de expressão pode servir como pretexto para perpetrar violências, ainda mais contra pessoas ou grupos que não possuem meios concretos para se defender? Aqui se aplica a tolerância e o pluralismo? Esse subjetivismo é salutar para o Brasil? O tempo dirá sobre o rumo que a sociedade tomará e quais as consequências deste caminho…
Relutamos muito em escrever sobre o assunto em tela, especialmente por conta das paixões que dominam os leitores nas suas (inevitáveis) críticas. Enxergamos, por prognose, alguns escrevendo que a mesma liberdade que nos permitiu escrever esse texto deve ser garantida aos artistas que trabalharam na performance “La Bête” do MAM. Mas alerto aos respeitáveis leitores que discordarem do conteúdo aqui exposto que a nossa opinião foi contidaAs palavras foram escolhidas de forma a não ofender quem quer que sejaSabemos que a nossa liberdade de expressão não é absolutaEssa consciência, portanto, de que existem limites a serem respeitados por todos, deveria ter sido observada na citada performance.
Aulas particulares de redação, filosofia, sociologia, interpretação de textos, literatura e gramática.
Quem passou para as 2as fases: vou trabalhar até o vestibular da Unicamp. Preços ótimos.
https://www.facebook.com/aula.de.redacao.online/?ref=aymt_homepage_panel
fone fixo 32713311











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