Pessoal,
fiz a proposta visando
à UNESP e todas as próximas provas criadas por ela. Mas servirá também para a
UNIFESP.
A FUVEST não fica descartada deste conteúdo. Quem fez a primeira fase dela viu que a fundação pegou pesado com longos textos. E quem pode afirmar que o tema dela não versará sobre a Arte? Aliás, você sabe o que seja Arte? Acompanhe o blog que vou colocar textos de Interpretação que tratam de Arte.
Sei que o caso do MAM é
recente, mas o tema é importante, vale ler tudo. Pois o que vivemos
caberá nas discussões ferrenhas em um País que hoje discutem os limites da liberdade.
Meus alunos deverão produzir o texto e mandar pela internet. Os que não forem alunos poderão ler, refletir e posicionar-se.
Os textos motivadores são muitos. Leia o que puder.
PROPOSTA
Meus alunos deverão produzir o texto e mandar pela internet. Os que não forem alunos poderão ler, refletir e posicionar-se.
Os textos motivadores são muitos. Leia o que puder.
PROPOSTA
Desde a última
quinta-feira (28), as redes sociais foram tomadas pela polêmica em
torno da performance no Museu de Arte Moderna no qual o artista Wagner Schwartz
ficava nu e se deixava manipular pelo público, tendo sido tocado por uma
criança que assistia a apresentação.
Mais de dois milhões
de links sobre a performance, acusada de estimular a pedofilia, foram
compartilhados. O tema foi, de longe, o mais discutido no fim de semana nas
redes sociais.
Mas a controvérsia
não é sobre o que parece ser. O debate parece ser sobre proteção à infância ou
sobre a irresponsabilidade dos artistas, mas, quando analisado de perto, se vê
que é, na verdade, apenas uma estratégia dissimulada da direita para manipular
o público e fazer avançar a agenda liberal de privatizações e redução dos
serviços públicos. http://www1.folha.uol.com.br/colunas/pablo-ortellado/2017/10/1923624-polemica-no-mam-nao-e-sobre-arte-e-nao-e-sobre-pedofilia.shtml
PROPOSTA A 'Nudez Artística Interativa' no MAM é arte ou crime?
TEXTO 1
O happening (traduzido
do inglês, "acontecimento") é uma forma de
expressão das artes visuais que, de certa maneira, apresenta
características das artes cênicas. Neste tipo de obra, quase sempre planejada,
incorpora-se algum elemento de espontaneidade ou improvisação, que nunca se
repete da mesma maneira a cada nova apresentação.
Apesar de ser definida por alguns historiadores como um sinônimo
de performance, o happening é diferente porque,
além do aspecto de imprevisibilidade, geralmente envolve a participação direta
ou indireta do público espectador. Para o compositor John Cage, os happenings eram
"eventos teatrais espontâneos e sem trama".
O termo happening, como categoria artística, foi utilizado
pela primeira vez pelo artista Allan Kaprow, em 1959. Como evento artístico, acontecia em ambientes diversos, geralmente
fora de museus e galerias, nunca preparados previamente para esse fim.
Na pop art, artistas como Kaprow e Jim Dine, programavam happennings com
o intuito de "tirar a arte das telas e trazê-la para a vida". Robert Rauschenberg, em Spring Training (traduzido do inglês, "Treino
de Primavera"), alugou trinta tartarugas para soltá-las sobre um palco
escuro, com lanternas presas nos cascos. Enquanto as tartarugas emitiam luzes
em direções aleatórias, o artista perambulava entre elas vestindo calças
de jóquei. No final, sobre pernas-de-pau, Rauschenberg jogou
água em um balde de gelo seco preso a sua cintura, levantando nuvens de vapor
ao seu redor. Ao terminar o happening, o artista afirmou: "As
tartarugas foram verdadeiras artistas, não foi?" https://pt.wikipedia.org/wiki/Happening
Texto 2
Ato 3: Na abertura da
35ª edição do Panorama da Arte Brasileira, no último dia 26 de setembro, o
artista Wagner Schwarz mostrou La Bête,
um trabalho que remete aos famosos Bichos, da Lygia Clark. Sim, a
mesma Lygia que abriu caminho para discutir uma dimensão ampliada do corpo na
arte 50 anos atrás. Nessa obra, Schwarz aparece nu e reproduz em posturas
físicas as posições que molda no objeto articulável trazido em cena,
transformando suas próprias articulações em matéria-prima a serviço da forma.
Naquele dia, curiosa, uma criança que assistia à performance no Museu de Arte
Moderna de São Paulo tocou os dedos das mãos e a canela do artista. Foi o
suficiente para motivar uma reação inflamada e violenta, primeiro nas redes
sociais, depois na frente da própria instituição, por parte de um grupo que
acusou a situação de pedofilia.
Apesar do claro
interesse político por trás do ataque, o movimento só tomou essa proporção
porque escolheu um assunto que de fato incomoda muita gente. Descobrimos, de um
jeito perigoso, que ainda é difícil dissociar a nudez do erotismo – e como a
exploração de novos caminhos estéticos na arte através do corpo ainda enfrenta
resistências. Diante de palavras de ordem taxativas, a classe artística
brasileira viu-se de repente obrigada a reforçar a importância de valores
democráticos inegociáveis, como a liberdade de expressão.
A arte costuma incomodar
mesmo. Justamente por operar em um território livre em seu significado mais
puro, os artistas têm a coragem de mexer com os tabus e expor aquilo que a
sociedade normalmente esconde embaixo de camadas de hipocrisia.
https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/interacao-de-crianca-com-artista-nu-em-museu-de-sp-gera-polemica.ghtml
Texto 3
“O tema é delicado, porque toca um dos medos atuais da sociedade,
que é o abuso, a erotização infantil, a pedofilia”, analisa Daniel Martins de
Barros, psiquiatra do Hospital das Clínicas e blogueiro do Estado. “Numa cena em que possa
haver o risco disso, as pessoas já reagem com uma preocupação compreensível”,
acrescenta.
De acordo com Barros, no
caso específico do MAM, a obra de arte não contém em si erotismo, mas, por
outro lado, não é esperado que uma criança esteja em um recinto com um homem
nu. “A criança nem sempre tem a maturidade do adulto para diferenciar uma obra
de arte de um corpo”, pondera o especialista. “Os pais é que têm que saber
junto com a criança o que ela pode e o que não pode ver”, completa.
Generalizando, o
psiquiatra alerta que, por mais que a prerrogativa seja dos pais, caso a
sociedade considere a decisão inapropriada, “quando uma situação é prejudicial
para uma criança, se o pai a expõe àquela situação, deve ser responsabilizado”.
No entanto, nesse caso, não há como cravar o que é adequado. “Como psiquiatra,
não conheço evidências científicas que dizem que uma criança ver um sujeito
nesse contexto vai deixar ela mais erotizada”, explica. Barros diz, ainda, que
isso vale também para novelas, filmes e outras mídias. “Existem cenas sem nudez
que podem ser mais eróticas para uma criança do que um homem pelado mexendo em
um origami”, afirma ele.
Na ausência de embasamento
científico para afirmar categoricamente se a performance no MAM seria ou não
prejudicial para a criança, o especialista conclui que “por via das dúvidas,
pessoalmente eu sugeriria não arriscar, para que a criança não fosse exposta”.
Para Barros, porém, não há
base para dizer que houve pedofilia, como muitas das denúncias afirmam.
“Pedofilia é o desejo do adulto pela criança. Do ponto de vista jurídico, é o
abuso; do ponto de vista médico, independe de haver abuso ou não. Isso não
estava posto naquela situação”, conclui o psiquiatra. http://cultura.estadao.com.br/noticias/artes,psiquiatra-analisa-a-polemica-da-performance-no-mam,70002021612
Texto 4
Para a psicopedagoga
Luciana Brites, a arte estimula a criatividade, as questões do desenvolvimento
das percepções auditivas e visuais. “É importante a criança ser exposta, dentro
de seu desenvolvimento, a produções artísticas, sejam elas musicais, pinturas,
esculturas. E elas mesmas podem fazer essa arte quando desenham, brincam de
massinha”, afirma Luciana, uma das fundadoras do Instituto NeuroSaber. “Os
benefícios são muitos, passam pelo campo da criatividade, consciência corporal,
aquisição de conhecimento a respeito de uma cultura”, reforça a psicóloga Carol
Marques, especialista em Neuropsicologia e Desenvolvimento Infantil.
Isso posto, vem a grande questão: existe um limite para essa
relação entre criança e arte? Na opinião de Luciana Brites, depende muito do
sistema de valores e crenças da própria família, ou da cultura em que essa
criança está inserida e do nível de maturidade. “Você pode apresentar uma obra
de arte e ser o mediador daquilo, para aquela criança, porque, muitas vezes, a
criança não vai entender – assim como tudo na vida, não é só a arte. Nós,
enquanto adultos, somos corresponsáveis, e é muito importante o nosso papel de
mediação com tudo o que a criança vai ver e ser exposta”, completa a psicopedagoga.
Lara Orlow prefere não usar a expressão “limite”, mas “adequação
à fase de desenvolvimento da criança”. “A arte, enquanto expressão da sociedade
em que vivemos, e servindo como ferramenta de contextualização ao mundo que
cerca a criança, deve, sim, servir também como ferramente para levar a criança
à reflexão. Mas essa reflexão será absolutamente inútil se não estiver adequada
ao universo da criança, ou seja, respeitando as etapas de desenvolvimento”,
completa ela
A psicopedagoga Silvana
Capanema, especialista em Psicologia do Desenvolvimento Infantil, fala também
da importância de se “respeitar as singularidades de cada faixa etária e o
nível de maturidade”. “A aprendizagem ocorre somente quando o contexto
apresenta significado para a criança”, diz a profissional, do Instituto de
Psicologia Espaço Vida.
De acordo com a psicóloga Marilene Kehdi, toda arte tem a sua
história e a sua interpretação, e cada pessoa adulta percebe a arte e o seu
contexto à sua maneira e de forma distinta. E, referindo-se ao nu artístico,
ela afirma que uma criança nunca deve ser exposta a esse tipo de arte. “Além de
vários outros fatores prejudiciais, ela não compreende que foi autorizada a
tocar no corpo de um homem nu em um determinado contexto como neste caso da
exposição de arte e que não poderá fazê-lo em outra situação. Isso causa muita
confusão no entendimento dela. Crianças precisam brincar, passear e precisam de
orientação e limites. E, acima de tudo, serem preservadas e protegidas daquilo
que não faz parte do seu mundo de criança e ponto”, diz Marilene, que também é
escritora e fundadora do portal Psicodicas.
E o que as outras especialistas acham sobre isso? É necessário
que a criança tenha contato com esse tipo de experiência artística como a vista
na performance? “De forma generalizada, sem análise sobre como essa criança
lida com esse assunto, toda criança tem direito ao conhecimento a partir do
momento em que se estabelece a dúvida. Induzir a algo antes do tempo é um
grande equívoco que pode ativar uma precocidade no seu estilo de vida. Por
outro lado, cabe ainda ressaltar que os pais são os responsáveis pela educação
dos seus filhos em todos os aspectos, inclusive o sexual. Manter a criança
alheia às diversas informações induz o menor à permissividade por ignorância”,
responde a psicopedagoga Silvana Capanema.
“Isso vai depender do contexto cultural em que essa criança
vive, de sua etapa de desenvolvimento e das ferramentas que ela terá para
absorver e entender a experiência artística”, opina a psicóloga Carol Marques.
“Vai depender muito de
como a mãe trabalhou aquele tipo de conceito dentro daquela situação, mas acho
que sempre que você vai expor uma criança a qualquer tipo de obra artística ou
a algum tipo de aprendizagem, primeiro a gente tem de pensar se ela tem
maturidade para aquilo, e segundo: o que aquilo vai agregar para ela? Será que,
de repente, ela brincar de alguma outra coisa ou trabalhar as partes do corpo
de uma forma diferente não agregaria mais conhecimento e não seria mais
adequado no sentido de que ela iria aprender mais do que exposta a um tipo de
arte dessa forma? A gente tem sempre que ponderar muito e tomar muito cuidado
em relação a isso”, afirma a psicopedagoga Luciana Brites.
Responsabilidade dos pais. Nas
discussões em redes sociais, houve quem comentasse que crianças podem, de
repente, se deparar com pinturas e esculturas representando nus em museus, e
que isso não é motivo de reclamação. “Existe uma diferença latente e
importante. O nu humano em questão se refere a um ser vivo. As estátuas se
referem a uma reprodução inanimada. Além disso, é absolutamente proibido tocar
obras de arte, seja por crianças ou adultos, a não ser aquelas que são
interativas, o que não é o caso das estátuas de mármore ou bronze que
reproduzem o nu”, diz Lara Orlow.
“Aquilo é uma representação de um nu, e não especificamente um
nu, aquilo é como se fosse um signo, que dá um significado, e tem um por que
ali por trás, uma questão de uso de material, você tem um sentido em cima
daquilo, e não uma nudez simplesmente exposta”, compara Luciana Brites.
A mãe da menina foi atacada nas redes e querem que ela seja
responsabilizada. Qual o papel dos pais ou responsáveis nessas horas? Para
Carol Marques, é saber junto dos seus filhos o que eles podem ou não ver ou
acessar. “Entretanto, quando a sociedade julga que a escolha da família coloca
a criança em situação de risco, eles são responsabilizados”, diz. “A meu ver
não tem como afirmar que a exposição dessa criança a essa performance tenha
algum impacto negativo no seu desenvolvimento.”
Segundo Silvana Capanema, “não existem parâmetros para tal
julgamento”. “Não fazemos parte do núcleo familiar para sabermos sobre a
educação dada a essa criança. Percebe-se no vídeo uma sugestão de aproximação
através do toque, mas não podemos afirmar a intenção”, afirma. “Enfim, são
muitas polêmicas causadas sobre suposições. O que realmente sabemos é que a mãe
estava ciente do que encontraria na exposição. Quando tivermos a consciência
cultural que as mostras artísticas não trazem consigo o intento de erotização,
com certeza dosaremos melhor o grau do nosso moralismo.
http://emais.estadao.com.br/blogs/familia-plural/polemica-do-mam-crianca-deve-ter-acesso-a-todo-tipo-de-arte/
TEXTO 5
Não se engane: esta é uma batalha
pelo sentido, contra as pretensões do preto no branco. La Bête,
performance do coreógrafo Wagner Schwartz, tornou-se atualmente o epicentro de
uma guerra de narrativas. Quem a defende tenta canhestramente preservar a liberdade
e a pluralidade de criação. Quem a ataca, faz uso de espantalhos sendo
construídos há décadas e mobiliza problemáticas reais — a pedofilia, as
direções de uma educação infantil que ajudem a evitar os abusos — para, muito
aquém de concretamente combater o crime de que seriam os antagonistas
verdadeiros, demonizar artistas e intelectuais. Com efeito, o que se ambiciona
é demonizar todo ato de pensar e criar que multiplique os pontos de vista sobre
o mundo e a vida, que delineiem as visibilidades da escuridão, as gradações de
cinza, a multidão de cores dissimuladas na brancura.
“Relativismo!”, esbraveja o
internauta bem treinado frente a este primeiro parágrafo (se chegar a lê-lo).
“Uma performance em que uma criança interage com um homem nu só pode ser uma
coisa: pedofilia!”, continua ele, preto no branco, dois mais dois igual a
quatro. Ainda acho, no entanto, que podemos conversar para além disso. Concedo
dois pontos: um, é preciso avançar nas políticas públicas contra o abuso sexual
(compilei
matérias que exibem o contexto do problema no Brasil e trazem propostas de
aperfeiçoamento); dois, é razoável discutir se é recomendável aos
pequenos assistir a uma obra como a de Schwartz. Esses são os momentos de
verdade da polêmica, e quero tratar do que resta depois de os termos
reconhecido como assuntos distintos. O trabalho artístico em si, qual é a sua
potência, o que só ele produz, o que pode nos dizer?
Perceba: o primeiro passo é sempre
neutralizar La Bête, aprisioná-la, negando sua produtividade, em uma de
suas execuções. Esta não é “uma performance em que uma criança interage com um
homem nu”. Na obra, o artista se disponibiliza para manifestação do público,
que pode modificar sua posição, atuar sobre ele como se fosse um brinquedo — a ideia
se inspira nos Bichos de Lygia Clark, esculturas que podem ser
dispostas em várias formações. Que tenham participado algumas crianças nas
vezes em que o trabalho aconteceu no Instituto Goethe e no Museu de Arte
Moderna (MAM) de São Paulo é meramente circunstancial (e, sendo assim, reforço:
o acesso dos pequenos à apresentação pode ser revisto segundo perspectivas
institucionais e educacionais, sem que se censure a exibição em si). É o
conceito da obra o que temos de aprofundar.
Para aprofundá-lo, não se demanda
conhecimento de história da arte. É, aliás, um erro defender a obra em pauta
ou, no mesmo sentido, a exposição Queermuseucom esnobismo intelectual.
Parte da tentativa de destruir o sentido consiste em anular as obras em prol de
discursos de autoridade, aos quais se têm acesso ou os quais se tenta
desvalorizar como mistificação. O saber potencializa a descoberta de
significados, mas é principalmente por um gênero de maiêutica, uma investigação
de si mesmo, que se desvendam as criações artísticas. A alguns trabalhos essa
ideia pode se aplicar menos, é verdade; mas, quanto a La Bête, creio que
ela funciona bem. Apenas tentando entender os elementos que ela põe em
intercâmbio — mesmo, como eu, só tendo vista parcial deles, a partir dos vídeos
divulgados na polêmica — já conseguimos esclarecer a sua criatividade.
O Que Pode um Corpo?
São dois os componentes principais:
corpo e interatividade com o corpo. Considere um, depois o outro. O corpo é um
signo e um material poderosos. Nos pseudodebates em que estamos imersos, a
nudez do corpo é muito simploriamente reduzida a uma intenção de choque, mas
todos podem ver que os valores, a inserção social, os impactos culturais mudam
se se trata da pele nua das fotos artísticas, dos filmes pornôs, das praias de
nudismo, das esculturas renascentistas. Tudo se passa como se fossem outros
corpos, embora tão carne e tão osso quanto sempre, na substituição dessas
situações. A arte, notadamente a performance, se alimenta dessa pluralidade de
concepções sobre o físico humano. Em La Bête, o que se dá é o corpo
assimilado ao brinquedo, o corpo lúdico.
O pseudodebate foge dessa
caracterização: o corpo nu é só intenção de choque porque o corpo nu é só
sexual. Ou estamos vestidos ou somos predadores/objetos sexuais. Essa mesma visão
se pode encontrar nos casos de mulheres impedidas de amamentar em público: o
seio exposto não poderia, para alguns, ser outra coisa senão carne sexualizada
e obscena. No limite, essa mesma visão está na convicção de que
“prostitutas não podem ser estupradas”, ou seja, não podem ser
interpretadas de outra forma, são só disponibilidade erótica. O pseudodebate
apela à defesa das crianças para dispor de uma ideia de pureza que não pode ser
contrariada, mas é claro como se coloca em uma estratégia mais ampla de
incômodo e vontade de controle dos corpos.
Pois bem, esse corpo lúdico, o que
ele provoca? Em torno dele se instaura a curiosidade, a intenção de descobrir o
que é possível, a diversão de participar, a gratuidade do jogo. Eu teria de ter
visto por mim mesmo para aferir com certeza, mas os registros da performance
mostram como se dava em um momento alegre. Até no vídeo da menina que toca no
artista: ela encosta nos dedos da sua mão e já recua; não vemos sua expressão,
mas o riso da mãe mostra que se divertem; na foto em que o artista nu está de
mão dada com quatro crianças, elas também riem. Sim, novamente, temos de
prestar atenção ao que se precisa proteger no desenvolvimento das crianças.
Mas, mesmo que não fosse o caso permitir que assistissem à La Bête, não se
pode negar como tudo o que se vê nas imagens demonizadas é desprovido de
sexualidade: pretende-se e é vivido como brincadeira.
É fundamental reforçar que essa
interatividade com o corpo é aberta. Cada público levaria a uma circunstância
diferente. La Bête estabelece uma certa disposição de coisas que traz
possibilidades de vivência; as experiências que pode produzir não são dadas de
antemão. Por isso é absurdo que se diga que a obra é pedófila ou mesmo que
pretende transmitir qualquer ideia muito organizada — os ataques só existem sob
condição de ignorar essa sua instabilidade essencial. Não é cabível nem mesmo
essa opinião mais bem-intencionada, que atribui à performance o objetivo de
criticar a nossa visão do corpo e nos direcionar a alguma espécie de liberação.
Isto impõe ao trabalho um foco de panfleto, uma eficiência de mecanismo. Mas,
sem revoluções, também brincamos com os cabelos de quem gostamos: o lúdico do
corpo também pode ser cotidiano, simples. Com o que se conecta, em você, os
elementos trabalhados na obra de Schwartz?
Ligar-se ao Outro, Fazer Uso do Outro
Podemos também pensar La Bête no
confronto com obras que lhe sejam próximas. Para concluir, vou realizar esse
percurso em duas vias: um diálogo com a herança de Lygia Clark, cujos Bichos servem
de referência para Schwartz; e uma discussão sobre a problemática eminentemente
ética de termos um corpo à nossa disposição, o que em outros trabalhos é
tratado muito diferentemente.
Participei, para as fotos de um
catálogo, de duas proposições de Lygia. Em Baba Antropofágica, estive
sem camisa, enquanto os outros participantes, com linhas de costura dentro da
boca, faziam o fio cair lento e se enrodilhar sobre mim. Em Canibalismo, no centro
estava uma garota vestida com um macacão em que frutas se amontoavam numa
abertura da barriga, comemo-la, portanto. Nas duas performances, é a conexão
entre as pessoas o dado mais valioso. Vivemos, sob mediação de símbolos
fantásticos (somos antropófagos e canibais; somos presas), algo juntos.
Devoramos, somos devorados, mas o que realmente sobressai é a ligação abstrata
entre aqueles que se deixam ser objeto e aqueles para quem ser sujeito é focar
sua atenção e cumprir uma ação sobre alguém. Há mais nessas obras (por exemplo,
a diluição entre o dentro e fora do corpo nesses dois casos que citei), mas
podemos nos focar nessa criação de relacionamento como algo crucial.
Apesar de La Bête me
parecer original na medida em que transfere o funcionamento dos Bichos ao
próprio artista, penso que a simples entrega de um corpo-brinquedo à fantasia
do público perde um pouco da potência relacional visada por Lygia. A conexão é
muito menor: com garantia de que nada lhe ocorrerá, o espectador pode manipular
a seu bel prazer. Não está implicado na cena; muito simplesmente, só assistem a
ela. Posso estar enganado — repito, minha análise precisaria de um contato
direto —, porém, até um segundo momento, me soa como uma obra menor.
O que reforça essa conclusão é o viés
ético a que me referi. A história da performance é cheia de episódios em que o
performer se dispõe à plateia: Yoko Ono (que convidou os presentes a cortar
pedaços da sua roupa) e Marina Abramovic (que deixou em uma mesa 72 objetos,
armas inclusas, e estabeleceu que o público podia fazer o que quisesse com ela)
fizeram obras com esse aspecto. Mais recentemente, Jaqueline Vasconcellos,
em Não Alimente os Animais,
restrita em uma caixa de areia, cumpria ações sempre que um espectador tocava
uma buzina, por um período indefinido de tempo, com desgaste cada vez maior.
Vulnerabilidade, risco, sujeição, de um lado; indiferença, coletividade mais ou
menos irresponsável, aptidão à tortura, do outro — tais elementos aparecem em
jogo nos trabalhos que citei em maior ou menor grau, e isso ocorre porque são
possibilidades indissociáveis do poder e das situações em que um indivíduo tem
um outro a seu dispor.
La Bête passa ao largo dessa
visão crítica; é, nesse sentido, utópica. Mas, se isso pode diminuir o alcance
do trabalho, também pode aumentá-lo: precisamos de utopias. Ademais, forcei um
pouco a mão no parágrafo anterior. Há generosidade e aceitação de dádiva na
obra de Yoko também; há certas meninas, em uma execução da performance da
Jaqueline, que impedem a submissão, não deixam que se continue a manipular a
artista. Seria esse o horizonte, La Bête aspiraria a um espaço sem
risco? Em que estaríamos à salvo, como que entre amigos? Talvez a guerra pelo
sentido passe por aí também. O artista, os museus e tantos outros dizendo que
há espaços de segurança. Outros tantos dizendo que não há segurança em lugar
algum. Ou ainda: uns em luta por um estado policial cada vez mais feroz. Outros
com a esperança de uma emancipação, de uma outra vida possível.
DUANNE RIBEIRO é jornalista,
mestre em Ciência da Informação, especialista em Gestão Cultural e bacharel em
Filosofia. Mais conteúdo em duanneribeiro.info. https://revistacult.uol.com.br/home/ensaio-polemica-la-bete-mam/
TEXTO 6
FMuitos defendem a
proposta do Museu de Arte Moderna (MAM) e lecionam que não havia o propósito de
erotização, mas uma performance artística concebida para estimular o público a
interagir com o artista (nu). Tratava-se, dizem, de genuína manifestação de liberdade
artística e de expressão, que, embora possa chocar, revela tão somente a
mudança nos paradigmas morais que estamos vivenciando.
Com a devida vênia, discordamos, havendo indícios de crime, mais
precisamente do art. 240 do ECA (produzir, reproduzir, dirigir,
fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou
pornográfica, envolvendo criança ou adolescente).
Não é possível, com efeito, cingir a incidência desse tipo
penal, e seu escopo de proteção, a considerações prévias que, levadas às
últimas consequências, podem servir de justificativa para qualquer conduta
aparentemente criminosa cometida sob o pretexto da expressão artística.
No mais, é um despropósito justificar aquela cena com a garantia
da liberdade de expressão e de manifestação artística. Ora, há limites a serem
observados no exercício de qualquer liberdade, limitações decorrentes não só do
próprio sistema constitucional de direitos e garantias fundamentais, mas também
– e principalmente – do princípio universal e inarredável
de que o exercício absoluto da liberdade é promotor do caos.Se
até mesmo a liberdade de expressão por palavras sofre as limitações impostas na
esfera dos crimes contra a honra, o que justificaria a garantia absoluta,
inatacável de uma performance artística na qual se verifica uma possível
infração penal contra criança?
A criança e o adolescente, não custa recordar, gozam de integral
proteção, como estabelece a Lei nº 8.069/90, mais precisamente no seu artigo
inaugural. Essa opção do legislador fundou-se na interpretação sistemática dos
dispositivos constitucionais que elevaram ao nível máximo de validade e
eficácia as normas referentes às crianças e aos adolescentes, e que, por sua
vez, foram inspirados nas normas internacionais de direitos humanos, tais como
a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos
da Criança e a Convenção sobre os Direitos da Criança. Assim, pode-se apontar
que o reconhecimento jurídico dos direitos da criança e do adolescente se deu
no Brasil já em um novo patamar, mais ligado aos processos emancipatórios e
constituído por uma concepção de positivação dos direitos humanos, tornando-os fundamentais.
O caput do art. 227 da
CF afirma ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. Em verdade, o art. 227 representa
o metaprincípio
da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente,
tendo como destinatários da norma a família, a sociedade e o Estado.
Como admitir, diante de um sistema de proteção tão contundente,
que alguém submeta impunemente uma criança a situação tão grotesca? O Estado –
no caso, por meio dos órgãos justiça criminal – tem o dever de exercer a função
legal e constitucional que lhe cabe nessa divisão de tarefas tão importante
para a preservação da infância e para o saudável desenvolvimento de crianças e
adolescentes.
Reconhecemos que o ponto nevrálgico desta questão se revela num
verdadeiro “nó górdio” para o Direito, pois caberá à sociedade se manifestar
sobre o rumo que o Brasil adotará sobre o tema. De um lado temos historicamente
a importante luta pelo direito à manifestação livre de ideias (do qual, como
cidadãos livres, não abrimos mão). De outro, é histórica a natureza da sociedade
de preservar valores e possuir elementos que buscam manter a ordem (eis aqui a
presença do Direito) bem como os inconformados, que buscam transformá-la,
quebrar paradigmas.
Posto isso, eis os pontos que deixamos para a reflexão de todos:
a liberdade de expressão pode servir como pretexto para perpetrar violências,
ainda mais contra pessoas ou grupos que não possuem meios concretos para se
defender? Aqui se aplica a tolerância e o pluralismo? Esse subjetivismo é
salutar para o Brasil? O tempo dirá sobre o rumo que a sociedade tomará e quais
as consequências deste caminho…
Relutamos muito em escrever sobre o assunto em tela,
especialmente por conta das paixões que dominam os leitores nas suas
(inevitáveis) críticas. Enxergamos, por prognose, alguns escrevendo que a mesma
liberdade que nos permitiu escrever esse texto deve ser garantida aos artistas
que trabalharam na performance “La Bête” do MAM. Mas alerto aos respeitáveis
leitores que discordarem do conteúdo aqui exposto que a nossa opinião foi
contida. As palavras foram escolhidas de forma
a não ofender quem quer que seja. Sabemos
que a nossa liberdade de expressão não é absoluta. Essa
consciência, portanto, de que existem limites a serem respeitados por todos,
deveria ter sido observada na citada performance.
Aulas particulares de redação, filosofia, sociologia, interpretação de textos, literatura e gramática.
Quem passou para as 2as fases: vou trabalhar até o vestibular da Unicamp. Preços ótimos.
https://www.facebook.com/aula.de.redacao.online/?ref=aymt_homepage_panel
fone fixo 32713311
https://www.facebook.com/aula.de.redacao.online/?ref=aymt_homepage_panel
fone fixo 32713311
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